55ª SESSÃO SOLENE DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA IX LEGISLATURA.
Em 2 de
dezembro de 1986.
Presidida pelo Sr. André Forster - Presidente.
Secretariada pelo Sr. Hermes Dutra - Secretário “ad hoc”.
Às 16h48min, o Sr. André Forster assume a Presidência.
O SR. PRESIDENTE: Havendo número legal,
declaro abertos os trabalhos da presente Sessão Solene destinada à entrega do
título honorífico de Cidadão de Porto Alegre ao Jornalista Cândido Norberto.
Solicito aos Líderes de Bancada que conduzam ao Plenário as autoridades
e personalidades convidadas. (Pausa.)
Convido a tomarem assento à Mesa: Dr. Alceu Collares, Prefeito
Municipal de Porto Alegre; Ver. Artur Zanella, Secretário para Assuntos
Extraordinários do Governo, representando, neste ato, o Dr. Jair Soares,
Governador do Estado; Dr. Sinval Guazelli, Vice-Governador eleito do Estado;
Sr. Glênio Peres, Vice-Prefeito de Porto Alegre; Jornalista Cândido Norberto,
homenageado.
Com a palavra, o Ver. Paulo Sant'Ana, que falará em nome da Bancada do
PDT.
O SR. PAULO SANT'ANA: Exmo. Sr. Ver. André
Forster, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Ilmo. Sr. Jornalista
Cândido Norberto, homenageado desta tarde; Dr. Alceu Collares, Digno Prefeito
de Porto Alegre; Dr. Glênio Peres, Vice-Prefeito de Porto Alegre; Ver. Artur
Zanella, representando, neste ato, o Exmo. Sr. Governador do Estado, Dr. Jair
Soares; meus colegas da Câmara de Vereadores; assistentes desta Sessão (e não
chamo os convidados porque este nosso querido e estranho homenageado houve por
bem não arrolá-los até mesmo porque chegou à audácia da discrição quando
queria, pediu que este título lhe fosse entregue no Gabinete da Presidência sem
as galas de que ele certamente teria que ser adornado), em realidade,
realiza-se, nesta tarde, na Câmara dos Vereadores de Porto Alegre, o matrimônio
da Cidade de Porto Alegre com Cândido Norberto. A história moderna desta Cidade
confunde-se com Cândido Norberto. Chegado de Bagé com 20 anos, ele foi o
repórter da “Folha da Tarde”, foi apresentador de rádio, foi narrador de
futebol, foi comentarista de futebol na rádio e televisão, foi radiator, criou
um programa antológico de rádio chamado “Pensando em voz alta”, fundou uma
escola de jornalismo com o programa “Sala de Redação”, uma idéia que hoje se
alastra por todas as emissoras de jornalismo do Rio Grande do Sul. Foi ali, em
“Sala de Redação”, que ele me descobriu e eu o descobri. Além disso, de todas
as obras de Cândido Norberto, esse campeão de jornalismo, de democracia, cumpre
ressaltar o Auditório Araújo Viana, do Parque Farroupilha, uma obra que é
devida à tenacidade do nosso homenageado. Recentemente nomeado Diretor da TV
Educativa, apesar das agruras financeiras que cercam todos os governos
estaduais e municipais, Cândido Norberto realizou talvez aquela que seja a sua
maior obra como homem público: tornou a TV Educativa, que, antes da sua gestão,
era uma parca emissora de televisão, na segunda rede estadual do Rio Grande do
Sul. Um exemplo significativo, concreto, de que a coisa pública, quando
entregue a homens de capacidade, de visão e de talento, prospera e é realizada.
Cândido Norberto foi também deputado dos mais dinâmicos, atuantes e talentosos
da História da nossa Assembléia Legislativa. Presidente da Assembléia, pautou,
na chefia daquele Poder Legislativo, a sua conduta pela irreparável probidade e
devotamento à causa e à coisa pública. Evidentemente que, por força do meu
relacionamento com o homenageado, estive, até agora, e vou continuar,
derramando sobre esta Casa, neste dia tão significativo, em que a Cidade
reconhece os serviços de um dos seus filhos adotivos, o meu léxico elegíaco.
Inevitável. Foi com Cândido Norberto que aprendi a conceder aos outros o
direito de defesa. Não o direito de defesa formal, muitas vezes difícil ou
impossível de ser exercitado, mas o direito de defesa factível, que se deve dar
antes a quem tem direito de exercício dessa. Cândido ensinou-me isto, e eu
agradeço esta compreensão. Ele sempre fez questão de dizer que toda pessoa
criticada pela imprensa tem o direito, em amplo espaço, proporcional espaço,
sem solicitar, ao exercício do direito à sua defesa. Cândido Norberto em
ensinou, também, a desprezar as ditaduras, não as ditaduras dos outros, mas as
nossas próprias ditaduras. Aprendi, com ele, que não há ditadura mais odiosa
que a ditadura de imprensa; aprendi, com ele, que não há ditadura mais odiosa
que a ditadura da justiça; as nossas ditaduras. Cândido ensinou-me, acima de
tudo, uma virtude que é muito dele e quase só dele: o Cândido tem a mania de
socorrer aquela pessoa que é alvo da desgraça pública, aquela pessoa cuja
reputação foi destruída, aquela pessoa contra a qual todas as opiniões se
atiram, pois é nessa hora que o Cândido acha que esta pessoa precisa do seu
auxílio, e vai em socorro dela.
Evidentemente, é imperioso que eu trace aqui este quadro de virtudes do
homenageado, embora se torne para mim constrangedor, uma vez que reconheço nele
um dos maiores amigos e um dos maiores exemplos que tive em minha vida. Sendo
assim, Cândido Norberto, tu chegaste nesta Cidade quando ela era amiga,
poética, belamente provinciana e começaste a namorá-la. E a vês assim tão
transformada, tão íngreme, por vezes tão escura, uma Porto Alegre não mais
acolhedora. E, quando aqui chegaste, esta era uma cidade balnearia, uma cidade
festiva, alegre, em que as pessoas faziam questão de sair à noite para se
divertir. E hoje há um tácito toque de recolher à noite nesta cidade. Tu, que a
amaste e tenho certeza de que ainda a amas, porque ela é parte integrante e
razão da tua vida, tu, que te apaixonaste por ela, assim como ela se apaixonou
por ti, tu, que a conquistaste, a ela que também te conquistou, eu acredito,
Cândido, porque te conheço, que esta homenagem, que tu não querias hoje
engalanada, seja hoje, por força do significado que esta Cidade alcançou na tua
vida, a maior de todas as homenagens recebidas por ti. Porto Alegre até hoje
foi a tua namorada; hoje, te casas com ela porque, por feliz iniciativa do Ver.
Rubem Tomé, a Casa decidiu dar-te este título. Casas, hoje, com Porto Alegre. E
a esposa é tão certa do grande amor que tens por ela, que até te concede o
direito, por vezes, de traí-la, como a tens traído. Antes, furtivamente; hoje,
escancaradamente, com prolongados encontros amorosos com a vizinha Viamão. Mas
a cidade te perdoa, porque muito a amaste e muito a amas. Muito obrigado.
(Não revisto pelo orador.)
O SR.
PRESIDENTE:
Falará o Ver. Frederico Barbosa em nome da Bancada do PFL e do Vereador
independente, Ver. Jorge Goularte.
O SR.
FREDERICO BARBOSA: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, demais presentes, é com muita honra
que falo em nome do PFL - Partido da Frente Liberal - e em nome, também, do
Ver. Jorge Goularte, independente nesta Casa. Esta satisfação só se realiza
graças ao Projeto e à inteligência do Ver. Rubem Thomé. Na verdade, esta Sessão
de hoje foi tramada, foi transada, foi elaborada através da lembrança e da
inteligência do Ver. Rubem Thomé, quando lá, em 1980 -, e me faz lembrar até
que já estava nesta Casa na época - lembrou-se de submeter ao Plenário, aos
representantes populares desta Casa, desta Cidade, o nome do político, do
radialista Cândido Norberto para Cidadão de Porto Alegre.
Mas venho eu, meu caro Cândido, pela primeira
vez nestes oitos anos de Casa, a uma Sessão Solene sem elaborar um discurso por
escrito. É estranho isso numa Sessão Solene, por imposição pessoal, porque vim
à tribuna em nome do PFL e do Ver. Jorge Goularte para homenagear aquele que,
há muitos e muitos anos, ingressou na minha casa, no meu lar, com a imagem
daquele político que tinha, acima de tudo e além de todas as suas qualidades, a
competência, a inteligência e a agilidade mental. O que aprendi a ouvir, guri
ainda, como muito bem sabes, através daquele que era teu amigo e que me foi
arrancado muito cedo, foi que existia, na Assembléia, um político que tinha uma
agilidade mental e uma rapidez que fazia inveja a todos os políticos. E todas
as vezes que, na minha modéstia, tentei pensar em cometer algum improviso, te
confesso: pensei nos ensinamentos que recebi em casa, e que difícil era ter
competência para, numa tribuna, se mostrar livre e, voando, atingir aquilo que
aprendi, que atingiste na tribuna do velho casarão da Rua Duque de Caxias.
Naquele velho casarão, Cândido, em que perambulei pelos corredores, guri ainda
- sem te fazer mais velho e nem me fazer mais moço -, pelo bar do Escalabrim,
atrás do Plenário, pela casa da esquina do Anexo, lá pela outra casa em frente
à do Dr. Adroaldo Mesquita da Costa, pelos bancos do antigo Araújo Viana, que
depois se transformou na Assembléia Legislativa, que hoje está lá, aprendi a
ouvir, Cândido, que lá, na Assembléia, apesar do Plenário que não era muito
grande, da Casa que era acanhada, de toda aquela pouca dimensão física,
existiram grandes tribunos e grandes políticos. E lá aprendi claramente,
deixando que toda a minha emoção e toda a verdade que sinto no coração fluam,
que existia o Cândido Norberto, que dava aula de competência a cada
manifestação que fazia ao povo do Rio Grande do Sul. E pode ser que até tenha
cometido, quem sabe, por força desta emoção que me tomou deste ontem, quando me
escalei para falar em nome do PFL e em nome do Ver. Jorge Goularte, que me
entregou esta missão, a transação da vinda do meu filho a este Plenário hoje.
Se ele aqui não está, foi lá te abraçar. E quando faço a comparação das
crianças que hoje me cercam, dos meus três filhos, vejo que, na convivência do
pai político, passam a entender a autoridade como um simples homem. Então, o
Prefeito Collares fazia, no domingo, a caminhada da paz. Um pouco atrás, estava
um dos meus filhos. E, então, o Prefeito passa a ser o Collares, o amigo do
pai. O Dr. Guazelli, há pouco mais de 15 dias, recebia, num dos seus despachos,
os meus três filhos, que queriam dar-lhe um abraço, passando a ser, na
intimidade das crianças, o Guazelli com que o pai conviveu algum tempo. Aí,
lembro-me que, na intimidade do meu tempo de guri, tu já eras o Cândido, pois
convivias com os meus, que tinham grande amizade por ti, e já passavas a ser,
no meu interior, sendo um brilhante político, um radialista, uma autoridade, o
Cândido Norberto com quem eu imaginava poder um dia, quem sabe, falar com a
maneira inteligente e competente, que eu via e os outros comentavam. Portanto,
perdoe-me o Ver. Jorge Goularte. Perdoem-me os companheiros do PFL, se eu deixo
o coração abrir para homenagear um homem com a sensibilidade de Cândido
Norberto. Mas não poderia sair da tribuna, meu caro Cândido, sem, pelo menos,
dizer também alguma coisa que a praxe faz com que - apesar de deixar discorrer
epidermicamente pela visão e pela imagem que tenho do brilhantismo com que
vens, na política, no rádio, na televisão, enfim, nos meios de comunicação,
fazendo tua trajetória nesta vida - não possa deixar de citar, como algumas
coisas de tua passagem por essas áreas. Escolhi, então, não um texto meu, mas
escolhi, para homenagear, duas pessoas, para completar o meu pronunciamento em
nome do PFL e em nome do Ver. Jorge Goularte. Um texto é do autor do Projeto, é
o primeiro parágrafo da Exposição de Motivos assinada, em 1980, pelo Ver. Rubem
Thomé, que diz o seguinte:
“Ser
cidadão significa, em primeiro lugar, participar da comunidade em que se vive,
engajar-se em seus problemas quotidianos, bons ou maus; significa sorrir ou
sofrer com a cidade que se escolheu. Não basta ser natural desta ou daquela
cidade. O lugar onde se nasce é secundário. O que importa é viver radicalmente
a cidade que se ama. Se isso é verdade, então ninguém pode ser mais
porto-alegrense do que Cândido Norberto dos Santos, o Jornalista, Radialista e
Advogado que dedicou toda a sua vida profissional à Cidade e a seus problemas.
Além disso, durante muitos anos viveu os problemas da Capital gaúcha e do Rio
Grande do Sul como um político eficiente e respeitado por todos, especialmente
pelo eleitorado porto-alegrense que, sempre que Cândido se apresentava como
candidato, o colocava entre os mais votados.”
Este é o intróito da Exposição de Motivos do
Projeto aprovado por esta Casa há algum tempo. E o segundo texto engloba a
idéia da aprovação do título. É elaborado de próprio punho, Cândido, pelo
ex-Vereador e atual Diretor-Geral desta Casa, Sadi Schwerdt, que, na época,
estava designado para elaborar Parecer por duas Comissões da Casa. Colocava o
Ver. Sadi Schwerdt:
“Designado a elaborar Parecer Conjunto, desempenho,
registrando de plano a conveniência do Projeto de Lei do Ver. Rubem Thomé. A
iniciativa parlamentar simplesmente homologa a decisão da população
rio-grandense, em especial a porto-alegrense, que há muitos anos concedeu a
cidadania ao Radialista Cândido Norberto. Este fato real foi elaborado pela
manifestação livre, expressa de forma simples, direta e justa, da escolha pelo
critério do voto. Sucessivamente, o Cidadão Cândido Norberto recebia nas urnas
o respeito, a consideração e, principalmente, a responsabilidade do
porto-alegrense, que o escolhia para ser o seu representante, sendo essencial,
para identificarmos a confiabilidade do representante, registrarmos o número
expressivo de porto-alegrenses que o elegeram. Inúmeras vezes foi um dos
candidatos mais votados em nossa Capital. Todavia, esta base sólida, perene,
foi consolidada pelo desempenho diário, sério, responsável, desenvolvido nos
meios de comunicação social ou simplesmente no rádio. O radialista Cândido
Norberto merece o respeito, a admiração, ou simplesmente, fundamentalmente, a
audiência global dos porto-alegrenses. Ele transcende ao imóvel, ao aparelho. O
seu trabalho é a essência, a tecnologia um instrumento da divulgação. Devemos
afirmar que o homem supera a tecnologia, a qualidade do trabalho e do aparelho.
Em qualquer emissora de rádio, independente do alcance de suas ondas, da
qualidade do som, o radialista Cândido Norberto sempre será o simples, mas o
excepcional homem de comunicação. Seu trabalho se impõe pelo esforço.
Considerando o mérito do proposto, opino pela aprovação. 23 de junho de 1980,
Sadi Schwerdt, Relator-Geral.”
Com esses dois textos, meu caro Cândido, com
a alma aberta no intróito do meu pronunciamento, nós o homenageamos, nós, do
PFL, e o Ver. Jorge Goularte, independente nesta Casa, enfim, toda a população
de Porto Alegre que, colegialmente, está representada nesta Casa através de
seus 33 Vereadores eleitos pelo voto livre e direto. Um abraço, felicidades e
que tu continues, sempre, sendo o mesmo Cândido Norberto - e nós temos certeza
que serás -, abrilhantando em cada aparição em público, elaborando, acima de
tudo, uma visão que penetra em nossos lares, que ingressa em nossas casas,
acima de tudo com competência, mas, muito mais, com a simplicidade que sempre
pautou teu trabalho. Muito obrigado. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O SR.
PRESIDENTE:
Com a palavra, o Ver. Hermes Dutra, que fala em nome do PDS.
O SR. HERMES
DUTRA: Sr.
Presidente, Srs. Vereadores, personalidades componentes da Mesa, demais
presentes, conversava com Cândido Norberto antes de iniciar a Sessão, e ele se
mostrava preocupado porque não tinha escrito nada para dizer. Disse-lhe que não
fazia mal, porque nós também não tínhamos escrito. Esta Sessão, Cândido, ela se
caracteriza por uma contradição em si mesma: ela é solene porque tem que ser
solene, mas ela é íntima e fraterna não só porque a quiseste mais modesta, mas,
sobretudo, porque a tua pessoa transforma as coisas desta forma. Nós nos
transformamos, ao invés de Vereadores e homenageados, numa roda de amigos, e
conversávamos fraternalmente antes de iniciar a Sessão. Agora, levados pela
separação meramente protocolar, desempenhamos o nosso papel sem, contudo,
reduzir aquela aura de amizade, de sinceridade em que se contavam coisas de uns
e de outros, mas, sobretudo, pairava um espírito de um relacionamento fraterno
e amigo. É muito bom que as coisas assim sejam, principalmente entre aqueles
que lidam com o público, seja o homem de imprensa, seja o político. E nós, da
Bancada do Partido Democrático Social, modestamente representado por três
Vereadores nesta Casa, queremos vir trazer, para que os Anais registrem de
forma como manda o Regimento, como manda a Lei que lhe concedeu o título de
Cidadão Porto Alegre, a nossa saudação. Mas, sobretudo, queremos deixar
registrada, de forma informal, a manifestação de muita boa vontade, de muita
alegria, que sentimos porque há pessoas, Cândido, que engrandecem títulos. Há
títulos que engrandecem pessoas. O teu caso é o primeiro.
Registro um simples fato, que pode parecer
até pouco para alguns, mas que é de profundo significado: é o fato de o Cândido
não querer deixar esta sala, no dia de hoje, cheia de gente, aos borbotões,
gente que aqui acorreria para dar-lhe o abraço e que, amanhã, cobrará por não
lhe ter dado a oportunidade de vir aqui partilhar conosco da alegria de lhe
entregar o título. Por isso é que o título de Cidadão de Porto Alegre, o livro
que registra aqueles que recebem tão honrosa homenagem, se engrandece, também,
com a tua entrada.
O Ver. Rubem Thomé, há seis anos atrás,
propôs a concessão deste título, e esta Casa, naquela época com menos
Vereadores que hoje, o aprovou. Mostrou, sobretudo, Cândido Norberto, que a
homenagem é feita por todos os matizes da Cidade, por aqueles que, de uma forma
ou de outra, convivem contigo no rádio, em outras atividades, ou mesmo na
atividade política, que exerceste, e por outros que, como eu, te conheceram.
Quando aqui cheguei, esta terra abriu os braços e me acolheu, e ouvi, manejando
o dial do rádio, de vez em quando, um comentário, uma sutileza, uma ironia fina
e educada, mas que jamais deixava de dizer a verdade, mesmo que essa verdade,
eventualmente, fosse machucar um ou outro. Assim conheci Cândido Norberto, às
vezes até em discordância, quando ouvia as suas críticas, naquele programa que
o Ver. Paulo Sant'Ana salientou, chamado “Sala de Redação”, e que persiste até
hoje com a idéia e a imagem de quem o fundou. Na verdade, representa - como
disse - a homenagem destes que, do outro lado, não conviveram contigo, mas
aprenderam a admirar e a reconhecer no teu trabalho uma contribuição muito
grande para o rádio, até um certo tempo, e, “a posteriori”, à televisão,
particularmente com a ação que empreendeste na Televisão Educativa do Estado,
dando-lhe a verdadeira dimensão de televisão educativa que, por ser educativa,
precisava ser essencialmente democrática. Para ser democrática, precisava do
teu sinal e era fundamental que os habitantes do Rio Grande pudessem ter acesso
a esse sinal. Graças a tua ação, que, bem sei, se deu vencendo os caminhos
espinhosos, às vezes, conseguiste transformar hoje a TVE numa verdadeira
alternativa para aqueles que não se contentam com o esquema meramente comercial
da estrutura televisiva nacional. Também este trabalho é reconhecido, embora à
época não o exercias, mas hoje, ao receber este título, quero que sintas,
também, este reconhecimento, porque cultura e educação só são boas, válidas,
enquanto democratizadas. E a maior prova de democracia que se pode dar a elas é
permitir, facilitar o acesso a todos. E este mérito tu conseguiste dentro da
nossa TVE.
Por fim, queria dizer que a Casa homenageia
também o político que foste, exercendo atividades parlamentares, e o homem
político que continuas sendo, embora afastado da política, capaz de gestos
corajosos, às vezes até incompreendidos, como tive oportunidade de assistir até
dentro do meu partido, coisa que os meus companheiros e o Rio Grande souberam
reconhecer, embora muitos não entendessem a grandeza e o alcance do teu gesto.
Por estes motivos, Cândido, é que nos
sentimos muito à vontade em te dirigir este abraço fraterno e simples, dizendo
que agora que és uns dos nossos de Porto Alegre, nem por isso deixas de ser
menos um de Bagé ou de Viamão, como ouço também no dial, de manhã cedo, quando
ligo, aquela voz “Aqui, Viamão”. E não só Viamão. Vêem o Rio Grande e o País,
com sua largueza intelectual, sua forma específica em comentar os assuntos,
levando o Rio Grande, através das ondas de sua emissora, com a voz calma e
tranqüila, avaliando o fato e dando ao ouvinte, muitas vezes, o ângulo que lhe
passou despercebido.
O nosso abraço, Cândido, e temos certeza de
que Porto Alegre já o tinha de fato como cidadão. Hoje, recebes o título de
direito. Muito obrigado.
(Não revisto pelo orador.)
O SR.
PRESIDENTE:
Fala, em nome do PCB, do PT e do PMDB, o Ver. Lauro Hagemann.
O SR. LAURO
HAGEMANN:
Sr. Presidente, Srs. Vereadores, autoridades componentes da Mesa e meu prezado
companheiro Cândido Norberto, homenageado nesta tarde, tenho a honrosa responsabilidade
de falar pelas Bancadas do PCB, que represento solitariamente nesta Casa, do
PMDB e pela Bancada solitária, nesta Casa, do PT.
Meu prezado Cândido, ninguém passa
impunemente por esta Cidade, principalmente depois de tê-la servido por mais de
quarenta anos, sem receber, como tu não o fizeste, mas como nós temos obrigação
regimental de fazê-lo, numa Sessão Solene, o título de Cidadão de Porto Alegre.
Existem homenagens e homenagens, mas esta, em tão boa hora, lembrada pelo Ver.
Rubem Thomé há seis anos, traduz, como muito poucas, o reconhecimento da Cidade
pelo trabalho desenvolvido pelo cidadão Cândido Norberto dos Santos, cidadão
adotivo, que veio de Bagé, como muitos de nós viemos de outras cidades
interioranas, em busca da realização pessoal, profissional, política, enfim,
das coisas que compõem a vida do cidadão: a necessidade de procriar, de educar
os filhos, de deixar um rastro, e um rastro que seja benéfico para a sociedade.
Eu dizia, no início, que trago a honrosa
responsabilidade de falar pelas Bancadas do PMDB, do PT e do PCB. Não é por
acaso que são segmentos políticos que representam uma esquerda, num sentido
genérico, porque a tua vida política foi iniciada num partido de esquerda, no
Partido Socialista Brasileiro. E como te conheço há 36 anos e meio, nos
encontramos pela primeira vez nos altos da antiga Casa Coates, na Sete de
Setembro, onde funcionam os estúdios da Rádio Gaúcha, quando eu também vinha em
busca da minha realização profissional, social, política, mais tarde. Desde então,
nós temos vivido, profissionalmente, lado a lado. Devo confidenciar aqui que o
meu título eleitoral foi batizado com o voto dado a ti na eleição de 1950.
Desde então, aprendi a respeitar o político Cândido Norberto, um homem de
probidade inatacável, um homem que teve tudo para se tornar uma figura
exponencial da sociedade no aspecto político, no aspecto econômico, mas que
preferiu ser sempre o cidadão Cândido Norberto e, mais do que isso, no terreno
profissional, o jornalista, o radialista em quem as novas gerações têm que se
mirar para o bom desempenho desta atividade fundamental. Nós sabemos, a Cidade
sabe, o Estado sabe do empenho do jornalista e radialista Cândido Norberto. As
ditaduras monopolistas de certos setores empresariais do processo de comunicação
não têm direito de se arrogarem substitutos da sociedade. Isto que nós
estávamos vendo hoje, em escala crescente, não é da nossa escola. Fazemos votos
para que todos os que pensam como antes se pensava permaneçam firmes nos seus
postos para impedir essa onda avassaladora que não traz benefícios à
coletividade, mas que a deturpa, que a deforma.
A homenagem que a Câmara Municipal hoje
presta ao cidadão Cândido Norberto não é mais do que a justa retribuição pelos
serviços prestados. Com todos os defeitos e virtudes que todos nós, seres
humanos, temos e carregamos, implicitamente, conosco, nós, hoje, preferimos
alardear as virtudes. E fazemos isso por um dever de consciência, pelo dever
que nós, representantes populares dessa Cidade, temos ao trazer para o rol dos
cidadãos eminentes de Porto Alegre um filho ilustre de outra terra, que aqui
veio para desenvolver a sua atividade, para trazer a contribuição e, sobretudo,
para deixar o seu exemplo para todos nós e para aqueles que virão depois de
nós. Cândido, perdoa a falta de poesia desta modesta oração, mas, na tua
atividade profissional, tu sempre foste objetivo, direto, muitas vezes irônico.
Mas é uma característica nossa. Aprendemos isto no dia-a-dia. Não tivemos
escola para a nossa formação, lamentavelmente, mas deixaremos todos nós, os que
pensam como tu, uma escola a ser seguida. Que o título de Cidadão de Porto
Alegre te traga as alegrias que tu fizeste por justiça receber e que todos nós
saiamos desta Sessão mais leves, mais alegres por termos cumprido com nosso
objetivo. Meu parabéns! Sou grato. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O SR.
PRESIDENTE:
Com a palavra, o Ver. Werner Becker, que falará em nome do PSB.
O SR. WERNER
BECKER: Sr.
Presidente, Srs. Vereadores, jornalista Cândido Norberto, permitam que saúde,
ausente, o velho Otávio e o amigo Samuel. O Cândido sabe, perfeitamente, que
muito devemos a ele, aquele pai generoso, lúcido, brilhante, grande figura,
amigo de todas as horas, por quem, uma única vez, ele verteu uma lágrima,
quando Samuel foi assassinado pela violência do trânsito de Porto Alegre.
Sr. Presidente e Srs. Vereadores, quero dizer
a V. Ex.as, quero dizer ao amigo Cândido Norberto que, antes de
averbar o meu primeiro voto para o então candidato Cândido Norberto, como fez o
Ver. Lauro Hagemann, impedido de votar por limite legal, mas já sabendo que
alguma coisa era necessário fazer, fui com alguns guris, alguns amigos
anônimos, buscar aqueles dezesseis votos em Taquara que te faltavam para
completar os votos necessários para te levar à Assembléia Estadual depois
daquela magnífica votação. Conseguimos, guris anônimos, sensibilizar um pouco
os taquarenses, dizendo, com aquele ânimo de guri, que aquela votação enorme e
magnífica que o Rio Grande tinha devotado não podia se estrangular pela
ausência de dezesseis votos. Conseguimos os dezesseis e até - tu, Cândido, te
lembras, voltando da Europa - um pouco mais.
Sr. Presidente e Srs. Vereadores, quero
declinar, se não faço uma inconfidência, que meu professor de socialismo se
chamou Cândido Norberto dos Santos. Era discípulo cotidiano das suas aulas na
Rádio Gaúcha e, se me dado fosse fados cantar, eu, aqui, iria cantarolar “Moon
Light Serenade”, seu prefixo musical, que era, mais ou menos, naquele tempo
quase que a “Hora da Ave-Maria” dos homens de boa vontade na Cidade.
Sr. Presidente e Srs. Vereadores, meu
professor de socialismo, não importa o rótulo do socialismo, não importa a
forma como se apresentava, porque me abriste os olhos, mostrando que a palavra
“socialismo” tem uma expressão muito mais ampla; é a do amor, do afeto e da
solidariedade. E ai daqueles que querem fechar esta ambição dos povos ao
socialismo em gabaritos de limitações ou de semânticas. Muito obrigado, por
enquanto, meu professor. Permitam-me que tire um pouco mais de tempo dos
Senhores, se continuar pensando em voz alta sem o acompanhamento da música do
teu prefixo. Deputado socialista, opositor de todo o arbítrio, não só do
ostensivo, mas também do dissimulado. E eu assisti a uma das mais belas aulas
de socialismo, uma das mais belas aulas onde se mostrou a este Estado que as
diferenças de classe tinham - se não pudessem ser naquele momento dizimadas -
que ao menos ser respeitadas. Foi o Cândido, Presidente da Assembléia
Legislativa, que deu voz de prisão a um aristocrata que ofendia até um
adversário político seu, o operário Bruno Segalla. Faz parte da história de
Porto Alegre. Pela primeira vez, um Presidente da Assembléia toma partido de um
operário contra um aristocrata, pedindo, ao menos, que o operário seja respeitado.
Sr.
Presidente e Srs. Vereadores, não estou fazendo fábula, estou falando a
verdade, embora Cândido Norberto tenha um pouco de verdade, tenha um pouco de
mística e, muitas vezes, até um laivo de fantasia. Sr. Presidente e Srs.
Vereadores, um dos poucos orgulhos que tenho na minha vida pública é o de,
quando ainda moço, ter saído da Assembléia Legislativa ao lado de Cândido
Norberto e Glênio Peres. E Cândido gritava: “Não baixarei a voz. E agora é sem
imunidade. Podem vir. Não digam que eu afirmava, que eu condenava, protegido
pela imunidade parlamentar. Hoje, sou como qualquer um e continuarei dizendo as
mesmas coisas sem imunidade”. E ai de quem tocasse, naquele momento, numa veste
de Cândido Norberto, porque a imunidade que ele carregava ao sair da Assembléia
era a solidariedade popular que se encontrava na frente daquele Plenário. O
Glênio é testemunha. Srs. Presidente, Sr. Vereadores, cassado, não vi uma
lágrima, não vi uma reclamação. Até disse, e lembro-me do seu discurso: “Não
tenho nada a declarar, a não ser os nove meses que levaram para me cassar. Em
relação a mim, fizeram só nove meses de injustiça ao não deixarem que
continuasse falando livremente”. Desculpem se averbo, neste momento, a minha
suspeição de amigo - se o Cândido Norberto me permite dizer, de amigo íntimo -,
mas é que, entre o afeto e a verdade, neste momento, é necessário que nos
inclinemos pela verdade. E sabem que não estou fantasiando uma palavra, não
estou acrescentando nada, porque era seu colega de Assembléia, naquele tempo, e
é testemunha do que é afirmado o Deputado, e o ex-Governador e Vice-Governador
eleito Sinval Guazelli, que veio trazer a sua presença não como homenagem
somente, mas como testemunho de tudo que se disser de Cândido Norberto não só
nesta hora, Sr. Presidente, Srs. Vereadores, mas nos momentos da vida de
Cândido Norberto, quando Diretor da TVE no tempo do obscurantismo. E eu
comentei com Érico Veríssimo a nomeação do Cândido, e Érico, com aquela sua
lucidez, me deu a explicação cabal: “Quando não se pode iluminar a escuridão
com um facho, que se acenda, ao menos, um fósforo”. É que Cândido, na TVE,
estava fazendo, quando todos os meios de comunicação estavam submetidos,
estavam submissos... Ali nós tínhamos um reduto, um oásis de democracia que se chamava
TVE, onde nunca um espaço foi negado a ninguém por mais inimigo, por mais
adversário que fosse daqueles que se elegiam os donos do poder. E Cândido me
dizia: “na hora em que vetarem a alguém, vetarão a dois; àquele e a mim”.
Sr. Presidente e Srs. Vereadores, sei que
sobre Cândido dá para dizer o que disse o poeta Mayakowski: “comigo a anatomia
fica louca - sou todo coração”. Talvez por isso, muitas vezes, esse teu grande
coração quase te assassinou em teus momentos de solidariedade e de ternura. Cândido,
lembro que és muito mais importante do que o Sr. Cândido Norberto, advogado,
que não mostrou grandes prazeres pelas lides forenses, porque dizia: “entre a
verdade e a justiça, sou mais o amor, sou mais o afeto”. E nós já temos idade
suficiente para entender que o verdadeiro nome da verdade é lealdade, amor e
afeto. Testemunha, na Cidade, da tua vida, já te vi acompanhado de amigos, de
inimigos e de desafetos, mas jamais te vi de mãos dadas com o privilégio.
Cândido, desculpa se vou às entranhas do teu passado e se falo do meu mestre, o
velho Otávio, não do Direito, porque com ele aprendi pouco, mas da ternura, da
valentia e do amor. Lúcido, profeta como era ele das coisas da vida, profetizou
o teu nome e escolheu para ti o nome Cândido. Cândido que sempre foste, embora
o teu sorriso, muitas vezes, procure afastar este vulcão de afeto; cândido que
sempre foste, cândido que continuas sendo, cândido que continuarás sendo
cândido. E quando a memória desta Cidade escrever os seus faustos, lembrará
sempre que houve um homem, um homem público que era inteligente, era bravo, mas
era, fundamentalmente, Cândido.
Desculpa, Cândido, se eu disse aqui uma
inconfidência que a ninguém disseste, nem a mim, porque sei que encaminhaste a
tua vida na lição do poeta, organizando o teu sofrimento ao sofrimento de todos
e multiplicando a tua dor e multiplicando também, por conseguinte, a tua
esperança. Hoje me perguntam: “Mas o que é isso? Homenagem ao Cândido?” e o
Cândido não quer ninguém presente, e o Cândido não convida ninguém. E nós somos
poucos. Eu dizia que Cândido aprendeu com Carlos Drummond de Andrade e até hoje
continua teimoso e relutante. O que Carlos Drummond de Andrade disse de si,
Cândido repete: “Cândido, vai ser “gauche” na vida”. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O SR.
PRESIDENTE:
Convido a todos para que, de pé, participem da entrega, que o Exmo. Sr.
Prefeito Municipal fará, do título de Cidadão de Porto Alegre ao nosso
homenageado.
(Todos se levantam. O Sr. Prefeito Municipal
procede à entrega do diploma.)
Convido o ex-Ver. Rubem Thomé, proponente do
título de Cidadão de Porto Alegre ao Jornalista Cândido Norberto, a proceder à
entrega da medalha de Porto Alegre.
(O Sr. Rubem Thomé procede à entrega da
medalha. Palmas.)
Está com a palavra o novo Cidadão de Porto
Alegre, Cândido Norberto dos Santos.
O SR. CÂNDIDO
NORBERTO: Exmo.
Sr. Presidente da Câmara de Porto Alegre, Sr. André Forster; meu amigo, irmão
de chão, bageense como eu, Prefeito Alceu Collares; Dr. Sinval Guazelli,
Vice-Governador eleito do Rio Grande do Sul e seu governante antes; meu
ex-companheiro, para honra minha, de representação popular na Assembléia
Legislativa, meu amigo sempre, ilustre Vice-Prefeito da Cidade, colega e amigo
de tanto tempo, de tanto afeto, Glênio Peres; Dr. Artur Zanella, que
representa, hoje, aqui, o Governador Jair Soares; Srs. Vereadores; assistentes
involuntários deste momento tão grato para mim, que aqui se encontram e que,
aqui permanecendo, me honram e me comovem.
Sr. Rubem Thomé, pode entender agora, por inteiro
- estou certo disso - os motivos pelos quais tanto resisti à sua decisão de
brindar-me com esse título que ora recebo e do qual, em verdade, ainda agora me
sinto imerecedor. Eu antevia que chegaria este momento e que ele seria
profundamente duro para o meu coração. Que dizer do que foi dito a meu
respeito? Sinceramente, não sei. Para dizer algo seria preciso pensar muito, e
eu, mais do que nunca, me rendo a um dado definitivamente meu, no que diz com o
meu modo de viver. Não é hora de pensar, mas é hora de sentir, e eu estou mais
sentindo do que pensando. E só eu sei como me sinto por dentro. E só eu sei que
esforço terei que fazer para, da planície, tentar voar tão alto quanto voaram
os oradores que esta Casa indicou para me saudarem. Mais do que nunca, eu
gostaria de poder voar alto, muito alto e, não obstante, sinto-me preso ao
solo, ao peso de emoções que as palavras jamais conseguirão traduzir, porque,
mais do que nunca, tenho vontade imensa, imensa, de fazer uma declaração de
amor, a mais bela declaração de amor que de mim pudesse partir, mas desde logo
me apercebo de que, tal e qual ocorreu com o poeta, esta declaração de amor que
eu estimaria, que eu gostaria que fosse a mais bonita de todas vai morrendo
estrangulada na minha garganta pelas amarras da emoção. Eu pensei, ontem, em
pôr no papel algo para dizer aqui, rendendo-me não apenas ao protocolo, mas à
própria consciência de minhas limitações para improvisar neste instante. Mas
logo e logo me apercebi de que seriam inúteis meus esforços para tentar colocar
no papel, e bem, os pronomes e respeitar a sintaxe, tentar construir belas
frases. Regozijo-me por, mais uma vez, confiar no improviso, no improviso que,
em verdade, tem marcado toda a minha vida, uma vida tocada pelo improviso
sobretudo porque, em verdade, eu confesso aqui, tangida, sempre, pela emoção.
Eu gostaria de respingar aqui e ali o que por
todos os oradores foi dito ao meu respeito, mas evidente que, além de
impossível, seria exaustivo esse esforço, já não digo para mim, mas para os que
me escutam. Não obstante, quero fazer uma referência ao pronunciamento primeiro
desta tarde, ao do meu querido colega e amigo Paulo Sant'Ana e também ao
último, do Ver. Werner Becker, amigo e colega. Disseram ambos que teriam
aprendido, senão muito, algo comigo, pelo menos. Pois eu lhes digo agora e aqui
que, na realidade, fui eu quem também aqui aprendi com eles. Aprendi mais uma
vez com eles a ser generoso com os amigos, ainda que cometendo excessos. Bem
que eu gostaria de ser, de ter sido, em algum instante, tão bom, tão útil
quanto eles tão generosamente apregoaram. Srs. Vereadores, a oportunidade que
este momento me oferece não quero desperdiçar. Antes, quero aproveitá-la,
dentro do menor prazo de tempo possível, para que não os massacre com uma longa
arenga. A oportunidade me concede e me faz feliz, eis que me enseja, fechando
os olhos, dizer rapidamente a meu respeito o que eu acho que possa ter algum
significado nesta hora. E, ao pensar em fazer estas evocações, cerro os olhos e
ponho diante do meu coração dois nomes. Um, já citado aqui, o nome do meu pai.
A ele somo o nome da minha mãe, tanto quanto ele, já desaparecida há muito. E
se insisto e se me rendo a este imperativo do coração é porque este momento
para mim é extremamente alegre e feliz. Se a memória do meu pai, se a memória
da minha mãe sempre, sempre, sempre tenho presente nos meus momentos difíceis,
nos meus momentos mais amargos, nada mais justo de que eu os tenha presentes no
meus momentos mais alegres. Sou filho de um advogado, que também foi
jornalista, o advogado Otávio Santos, um homem que, como advogado - relevem-me
esta citação -, embora tenha logrado na sua terra, que também é minha, um
reconhecido sucesso profissional, que lhe poderia ter ensejado a fortuna
material, ao cerrar os seus olhos teve ao seu lado tão-só a riqueza dos amigos
que fez, os afetos dos seus familiares, e eu diria que, especialmente, as
lágrimas daqueles que, sendo pobres, dele jamais ouviram “não”, quando do
advogado Otávio Santos precisassem. Aliás, eu devo a esta Câmara, a nível de
igualdade com a dívida que com ela contraí em razão do título que venho de
receber, uma manifestação de profundo reconhecimento pelo fato de ter concedido
a uma rua desta Cidade o nome de meu pai, Otávio Santos, por iniciativa do então
Vereador, meu amigo Vicente Dutra. Quando a Câmara aprovou o Projeto dando o
nome de meu pai a uma rua, o gesto da Câmara de então me comoveu tanto ou mais,
embora eu não tenha dito isto, que o preito de amizade que estou a recolher.
Foi da terra do meu pai, da terra em que nasci, da minha Cidade de Bagé, terra
de ruas largas e mulheres bonitas, que me desloquei para Porto Alegre na década
de 40. Eu não tinha completado 20 anos. Em verdade, não completara sequer 19,
e, aqui chegando, filho de pai pobre, desde logo me vi obrigado a lutar, a
abrir meus próprios caminhos, o que fiz iniciando minha atividade de
jornalista, de repórter na redação da querida “Folha da Tarde”. A “Folha da
Tarde” de Breno Caldas, de Manuel Albuquerque, do Alberto Pasqualini, e de
tantos outros queridos amigos e colegas que desta já se despediram há muito
tempo e outros que ainda hoje, felizmente, permanecem. E foi como repórter da
“Folha da Tarde” que eu iniciei a minha intimidade com Porto Alegre, com a
minha Porto Alegre, nossa Porto Alegre, uma intimidade que não se limitou ao
seu centro, mas aos seus bairros mais afortunados e bonitos, mas que,
sobretudo, se estabeleceu nas vilas mais pobres desta Cidade, onde a paisagem
era mais feia e sua gente mais triste, porque mais sofrida. Essa intimidade com
Porto Alegre começou assim. Por isso, eu a recordo ainda agora com a mais
profunda ternura e me felicito pelo fato de ter sido, fundamentalmente, em meu
tempo de repórter da “Folha da Tarde”, um jornalista já preocupado com as angústias
da gente mais sofrida da Cidade. Procurei, já àquela época, dar àquela gente, e
especialmente a ela, a oportunidade de reivindicar, de se fazer ouvir, de
protestar quando o protesto se impunha. De minhas lides na “Folha da Tarde”,
logo, logo passei também ao trabalho no rádio. O repórter do jornal não se
modificou nas atividades radiofônicas; antes, mais do que permanecer o mesmo,
logrou aprofundar-se nas próprias entranhas da Cidade, naquelas onde reinava a
pobreza e mais dura era a luta do dia-a-dia. Não lhes vou falar da minha
atividade, nem como repórter nem como homem de rádio, mas posso dizer-lhes
tranqüilamente que estas atividades foram cumpridas, senão com competência, ao
menos com grande amor, com extrema responsabilidade, com o máximo de amor à
verdade, com o máximo desejo de servir. E já que estou recebendo uma distinção
tão alta como a que acaba de ser-me conferida, deixem-me que eu lhes conceda,
pelo menos, alguns poucos pontos de referência para que este diploma e esta
medalha sejam justificados.
No rádio, embora tenha passado cheque sem
fundos até como artista de radioteatro, em verdade, sempre fui,
fundamentalmente, um repórter. No rádio convivi, com tudo e com todos e,
sobretudo, no rádio daquele tempo, convivi com os artistas que desempenhavam, à
época, um papel muito relevante. E foi exatamente pensando em ser útil aos
artistas, aos velhos artistas que o infortúnio estava abatendo, que um dia,
quando morreu o fundador da Casa do Artista Rio-Grandense, concordei em aceitar
a incumbência de presidir essa instituição. A Casa do Artista, fundada pelo
Antônio Amábile, o “Piratíni”, de saudosa memória, era então um velho e
decadente casarão na Rua Anchieta, 280, aqui na Glória. A palavra de ordem era
servir. A herança que de Piratíni recebi era de continuar multiplicando
esforços para que aquela instituição se consolidasse e até se aprimorasse.
Tentei ser digno de responsabilidade tamanha e orgulho-me hoje, Sr. Presidente,
Sr. Prefeito, Sr. Vice-Governador, meu caríssimo colega e amigo Glênio Peres,
que terminou por me suceder na presidência da Casa do Artista, alegro-me em
poder dizer ter sido digno da herança do dever que me cumpria tocar adiante.
Ali, na Rua Anchieta, 280, na Glória, com a colaboração de muitos e com uma
imensa paixão, consegui deixar um prédio novo, substituindo um casarão
decadente, com instalações modelares à disposição dos velhos artistas que,
apesar das lutas que realizaram em benefício da arte e para a alegria do povo,
haviam chegado ao ocaso de sua existência sem um teto para morar.
Se um dia perguntarem a razão de ser deste
título que hoje me concederam, se outra lembrança não tiverem, digam: “Aquela
Casa do Artista da Rua Anchieta n.º 280, na Glória, tem a marca, o suor, o
esforço, o empenho sério daquele a quem homenageamos”.
Foi do jornal e, especialmente, do rádio que
emergi para a vida pública. Não tenho nenhuma razão para me constranger de que
a minha primeira eleição decorreu, sobretudo, ou pelo menos em grande parte, da
popularidade fácil que obtive usando um meio de comunicação tão abrangente como
é o rádio. É certo que, como comentarista popular, como crítico, logrei algum
conceito perante a opinião pública, mas também é certo que, como um canastrão
das novelas, popularizei-me e captei simpatias, as simpatias fáceis que o meio
de comunicação proporciona, a ponto de, já na primeira eleição, ainda há pouco
lembrada pelo Werner Becker, ter saído das urnas aqui de Porto Alegre como
Deputado Estadual mais votado e já com a segunda votação do Estado. Nessa
altura - como que um parêntese que a oportunidade até me obriga a abrir e
fechar - cheguei àquela altura da vida em que nem me obrigo a ser otimista, nem
me sinto obrigado a ser derrotista, nem me obrigo a ser demasiadamente modesto,
pois naquele instante da minha vida, nos idos de 50, quando a minha
popularidade fácil, obtida através do rádio e também de minhas reportagens como
homem de jornal, já atraía as atenções dos partidos, é claro que desses
partidos sofri o cerco. Os partidos da época, os grandes, sobretudo,
procuraram-me atrair, na ilusão, talvez, de que pudessem capitalizar votos para
as suas legendas e utilizar o homem de rádio - sobretudo o homem de rádio -
como instrumento para suas conquistas eleitorais. Não cito siglas, mas lhes
asseguro, tranqüilamente, que foram todas as da época aquelas que me procuraram
para transformar-me em seu candidato. Como vêem, a prática é antiga, o
estratagema é velho, é ancião, tem barbas longas e brancas. Pois quero que
fiquem sabendo aqui, e os fatos provam a favor do que digo, meu caro Ver. Lauro
Hagemann, que a minha opção terminou recaindo exatamente sobre a mais fraca de
todas as legendas, a legenda do pequeno, mas honrado, como se dizia, Partido
Socialista Brasileiro, uma legenda que não conseguira, até aquela época, fazer,
em Porto Alegre e mesmo no Estado, um só Vereador. Como vêem, não escolhi para
o início da minha vida política o caminho mais fácil, senão exatamente o mais
difícil.
Pelo Partido Socialista Brasileiro fiz-me
Deputado, segunda votação no Estado, primeira em Porto Alegre. Perdi, apenas,
meu caro Prefeito e querido amigo, Alceu Collares, para o seu líder Leonel
Brizola, que já, então, disputava a sua reeleição, a sua 2ª Legislatura. Não
obstante, como recordou Werner Becker, ficaram faltando à legenda do pequeno,
mas honrado e idealista Partido Socialista Brasileiro, dezesseis votos que
também não disputei pessoalmente, porque, ao invés de ficar aqui a buscá-lo,
decidi aceitar a incumbência que este Estado, uma parcela política do Estado,
decidiu me outorgar. Sabem o que fui fazer longe daqui quando se decidia,
exatamente, a minha eleição ou não? Fui representar o Movimento Gaúcho pela Paz
num grande congresso, num II Congresso Mundial pela Paz, que se realizava em
Varsóvia, Capital Polonesa. E aquele tempo não era fácil posar-se, ainda que de
socialista e muito menos decidir-se atravessar aquelas fronteiras chamadas,
idiotamente, de Cortina de Ferro. Já era difícil sair e era mais difícil
retornar incólume, liberto das suspeitas, das acusações e até das prisões que,
com muita freqüência, aconteciam para aqueles suspeitados de comunistas. Eu
tenho muita, muita e imensa alegria de poder recordar esta minha participação
no II Congresso Mundial pela Paz realizado numa capital comunista, justamente
no instante em que, agora, o Rio Grande do Sul é cenário da Grande Marcha a
Favor da Paz. A tocha que simboliza as aspirações do povo pela paz era
recolhida nas quatro paredes do Palácio do Governo.
Esta paz que hoje cantamos em prosa e verso e
que podemos fazer em qualquer parte, era, naquele tempo, palavra perigosa, que
ofendia, que ameaçava e que amedrontava. Que enchia de terror, sobretudo, os
fabricantes de armas, os industriais da morte. E quatro anos se passaram e eu
cumpri o meu primeiro mandato na Assembléia Legislativa pelo Partido Socialista
Brasileiro, e pelo menos partido me reelegi, e chegou a hora de disputar a
terceira eleição, e eu o fiz, e o fiz contrariamente ao que, há muito tempo se
diz ao meu respeito, ainda na condição de candidato do Partido Socialista
Brasileiro, com um detalhe apenas, um singular detalhe, uma singularíssima
peculiaridade da qual ainda me orgulho hoje: a de, apesar de ser Deputado pelo
Partido Socialista, ter concorrido à minha terceira eleição sob a legenda do
Partido Libertador, que publicamente pôs-se de acordo com o Partido Socialista
Brasileiro para estranheza de muitos, para o estarrecimento de outros tantos.
Se estou a recordar estas coisas é exatamente para aproveitar esta oportunidade
e deixar gravada nos Anais desta Casa a verdade, tantas vezes negada por
aqueles que pretenderam me apresentar à opinião pública como um “troca-troca de
legendas”, como se trocar de legenda fosse um crime. Não fui apenas eu que
concorri, sendo do Partido Socialista, pela legenda do Partido Libertador.
Foram outros representantes, também, do Partido Socialista. Acho que, naquela
época, já se encontrava na Assembléia, para honra do Legislativo do Rio Grande
do Sul, o brilhante, o magnífico Sinval Guazelli, figura de estadista que,
ainda hoje, com sua presença aqui, mais do que me honra, me comove, me emociona
de tal ordem, que eu não saberia dizer. Ao tempo da disputa pela presidência da
República entre os Srs. Jânio Quadros e o Mal. Teixeira Lott, o pequeno Partido
Socialista cindiu-se. Uma parte pequena optou pela candidatura civil do Sr.
Jânio Quadros, enquanto outra decidiu-se pela candidatura do Mal. Lott. Fiquei
com a candidatura do Sr. Jânio Quadros, pelo que assumo inteira
responsabilidade ainda hoje. Ninguém é perfeito, muito menos profeta seguro
neste mundo. Eu já, ao final de minha terceira legislatura, havia tomado a
decisão definitiva de retornar às minhas atividades profissionais. Não queria
participar da quarta disputa pelo voto popular com vistas à Assembléia, mas aí
sobreveio um fato inesperado e que terminou, realmente, me envolvendo. Esse
fato chamava-se Fernando Ferrari, um moço puro idealismo, eu diria um moço
profundamente cândido por dentro e não apenas no nome, como eu. O Partido
Socialista já decidira não participar, mas não tinha mais condições de, ele
próprio, participar do pleito sem eles. E ao envolvimento de Ferrari me rendi e
terminei, efetivamente, participando de minha quarta e última eleição, sabendo
que iria perder. Participei da eleição apoiando à época o mais fraco dos
candidatos numa reiteração desse fatalismo que parece me acompanhar sempre,
qual seja o de ficar do lado de, pelo menos suponho ser, o mais fraco. Como
vêem, sou teimoso e - por que não admitir? - pouco inteligente. Aí aconteceu a
minha segunda aventura no campo eleitoral, tendo em vista a Cidade de Porto
Alegre. Esta Cidade, e deixem que eu repita, nas quatro eleições das quais eu
participei, sempre concedeu a honra de ser o seu candidato à Assembléia
Legislativa o mais votado.
Antes, no esforço agora reiterado do Partido
Socialista, que tentava firmar-se como tal, sem a menor chance de qualquer
êxito eleitoral, eu terminei em ceder o meu nome não digo a uma aventura, mas a
um esforço desinteressado, nobre, de aglutinar mais nomes ao Partido Socialista
Brasileiro, e disputei uma eleição municipal, a pé, sem lenço e nem documentos.
É claro que perdi, gloriosamente perdi, esmagado pela votação maciça de Leonel
Brizola. Se valeu ou não aquele sacrifício, os fatos o dizem.
Mas a minha segunda peregrinação como
candidato a Prefeito de Porto Alegre viria a acontecer no ano de 1963. Quem
deveria ter disputado aquela eleição, e era o seu candidato natural,
obrigatório e único, insubstituível, era exatamente o Fernando Ferrari, mas os
fatos não o quiseram. O infortúnio fez com que Ferrari viesse a sucumbir num
acidente aviatório, exatamente no ano de 1963, quando ele seria o candidato
natural do MTR, e não apenas do MTR, mas de outras forças políticas do Rio
Grande do Sul. E eu lá, na Assembléia, Deputado, no exercício da Presidência,
não pude resistir. Seria indigno se resistisse aos apelos que me foram feitos
para que substituísse na campanha aquele que, na verdade, a nível de prestígio
em Porto Alegre, naqueles dias, era insubstituível. Concorri e perdi. E me
orgulho, ainda hoje, de ter, por duas vezes, ainda que sem chances de vitória,
oferecido à população de minha cidade os meus préstimos para que, se ela assim
o desejasse, quem sabe lá, me tivesse como o seu servidor mais dedicado entre
os quais mais dedicados fossem. Há derrotas cujas lembranças só nos alegram.
Estas duas fazem parte deste elenco.
Já caminho para o fim deste relato tão
inadequado, mas que estou trazendo até para fugir das emoções. Juro que estou
fugindo das emoções, ao peso das quais, quando ouvi os oradores que aqui
estiveram, quase sucumbi, apelando para os meus vasodilatadores. Mas, já que
estou neste caminho, deixem que lhes diga que, exatamente em 1963, quando fui
eleito, para orgulho e alegria minha, Presidente da Assembléia Legislativa,
minha primeira visita, meu primeiro ato, meu primeiro gesto tiveram como
cenário exatamente a Câmara Municipal de Porto Alegre. Antes de qualquer outro
ato, apressei-me a vir fazer uma visita à Câmara de Porto Alegre. E sabem o que
vim fazer aqui, na condição de Presidente da Assembléia? Vim dizer à Câmara de
minha cidade - Porto Alegre é minha cidade, independente de título, porque é o
meu amor, e amor não depende de titulação -, aos representantes da minha cidade
que chegara a minha oportunidade de tentar, pelo menos em parte, resgatar a
imensa dívida que eu, pessoalmente, com ela tinha e que o Estado,
definitivamente, com ela também mantinha. O prédio novo da Assembléia, como
sabem, foi construído sobre área de um próprio municipal, o antigo Auditório
Araújo Viana, apenas uma concha acústica e alguns poucos bancos quebrados. A
contrapartida era esta: a Assembléia ocupava aquele lugar e se obrigava, por
outro lado, a devolver o seu auditório. Então pensei: “Chegou a hora de eu
cumprir um compromisso do Poder Legislativo do Rio Grande do Sul e encher a
minha alma de alegria, podendo, de alguma forma, ser um pouco mais útil à
cidade dos meus afetos, à cidade que elegi por opção”. Então, compareci à
Câmara e dei a notícia de que estava disposto a fazer tudo para levantar o
auditório, que ainda não decolara, que era apenas valetas no Parque da
Redenção, e saldar o compromisso do Legislativo do Rio Grande com a capital
gaúcha. A 12 de março de 1964, tendo tido o cuidado de não inaugurá-lo antes
das eleições, das quais eu participava, em noite memorável, a Assembléia do Rio
Grande do Sul abriu as portas do auditório que aí está e que, se quiserem
saber, é descoberto porque foi feito para ser descoberto, é aberto porque foi
feito para ser aberto, para que não pudesse jamais ofender a paisagem do nosso
grande e maior parque até então. Se um dia lhes perguntarem, Srs. Vereadores,
dos motivos pelos quais decidiram prestar esta homenagem a mim, se outras
razões não tiverem - e, seguramente, terão dificuldades para encontrá-las -,
podem invocar esta, que eu, sem vaidades, mas com imensa alegria, estou a
lembrar. Ainda com relação à representação popular de Porto Alegre: quando fui
instado, convidado pelo Sr. Governador Jair Soares a ocupar um cargo que jamais
postulei, como, de resto, jamais postulei cargo algum, qual seja, na
Presidência da TVE, um dos primeiros atos que pratiquei foi comparecer a esta
Câmara em reunião com seu Presidente e Líderes de Bancadas e dizer a todos: “A
TVE do Rio Grande do Sul deseja abrir um espaço para a Câmara Municipal. Ela
quer dar voz e imagem aos Vereadores da Cidade de Porto Alegre.” Se a Câmara
não quis usá-la mais foi porque não quis, porque os espaços da TVE, fiel aos
compromissos que publicamente assumi, transformaram-se, efetivamente, em
espaços a serviço da democracia, independente de siglas partidárias, da
ideologia dos seus entrevistados. E a respeito da mesma TVE alegra-me que tenha
sido dito aqui que Porto Alegre, através dela, do seu crescimento, hoje pode
falar de mais alto e para mais longe. Não fala apenas para as suas
circunvizinhanças, Sr. Prefeito, Sr. Presidente, Sr. Vice-Governador, Sr.
Vice-Prefeito, Srs. Vereadores, fala, praticamente, para quase todo o Estado,
porque já são quase 30 retransmissoras que plantamos neste Estado, tornando a
TVE a segunda emissora em cobertura no Rio Grande do Sul, uma emissora, Dr.
Sinval Guazelli, que o governo do qual V. Ex.ª vai fazer parte, honrado que foi
de forma consagradora pelos votos populares, há de ter o melhor carinho possível,
zelando para que ela continue sendo o que cuidamos e fazer que seja uma
emissora realmente do Rio Grande do Sul, e não apenas uma simples terminal de
uma das quatro, e apenas quatro, cabeças de rede que existe no País: duas no
Rio e duas em São Paulo. Mais do que nunca, e a oportunidade me parece
excelente para dizer isto, esta é uma forma que encontro de dar, de alguma
maneira, uma contribuição a mais a minha gente, ao meu Estado. Uma das coisas
mais importantes que existe para ser feita agora, e o fato é referido aqui, é
assegurar-se o uso desse fantástico meio de comunicação, que é a televisão, ao
povo das regiões a que os canais foram destinados. Reflitam sobre isto! Temos,
em verdade, no Brasil, não dezenas, nem mais de centenas de emissoras de televisão,
como se diz e como dizem as estatísticas. Temos, efetivamente, quatro. Duas no
Rio, repito, duas em São Paulo, de lá mandando para todo o Brasil suas
mensagens de cultura, suas mensagens refletindo os seus interesses políticos,
econômicos e de toda natureza, a ponto de transformarem todo este País e, por
via de conseqüência, também, o Rio Grande do Sul em meros espectadores
passivos, impotentes frente ao que acontece nas grandes cidades brasileiras -
Rio e São Paulo.
Acho que está na hora, por isso mesmo, de se
aproveitar, solidificando e ampliando, ainda mais, o que até aqui nos foi
possível fazer a nível de ampliação e solidificação de uma emissora de
televisão criada e mantida pelo povo do Rio Grande do Sul. E este instrumento
de comunicação que hoje já está cobrindo maior parte do Estado e que deverá
cobri-lo ainda mais, porque continuamos instalando retransmissoras, este
instrumento, meu prezadíssimo e querido amigo Vice-Governador Sinval Guazelli,
será, quem sabe, vital para a própria administração do Estado, quando
eventualmente ela sentir necessidade de estabelecer contato com todo o povo
rio-grandense e descobrir que, nas demais emissoras, não há espaço suficiente
para tal encontro, para tal prestação de contas, para tal esclarecimento, porque
os outros espaços estarão ocupados por programas que traduzem contratos fortes
e cada vez mais vigorosos com emissoras de outros pontos do País. Eu diria até,
correndo o risco de ser mal interpretado, que uma emissora, como esta que está
aí, agora, que levou as imagens a Porto Alegre e também a todo o Estado, talvez
venha a ser usada, em algum momento, até como arma de defesa contra muito tipo
de envolvimento e de chantagem, que tem largo curso e que ocorre, exatamente,
quando o mesmo Poder Público mais precisa explicar-se perante o seu povo.
Quando lhes perguntarem, Srs. Vereadores, das razões pelas quais me concederam
este título, espero que possam, entre outros motivos, lembrarem da contribuição
que este filho adotivo de Porto Alegre tentou e segue tentando, ainda, e o
fará, até o seu último instante de administração, no sentido de que continue
existindo, cada vez mais forte, um meio de comunicação altamente comprometido,
e eu diria fundamentalmente comprometido, com a democracia, uma democracia que
só existe quando este meio de comunicação pode ser usado pelo homem que pensa,
do jeito que pensa quem na extrema esquerda se situa, assim como o homem que na
extrema direita se localiza. Não lhes nego a desconfiança de que optei por
estes caminhos exatamente para fugir das emoções, embora, para enfrentá-las, eu
me fizesse acompanhar, ainda hoje, dos meus vasodilatadores, de uso obrigatório
desde os tempos em que o meu coração deu os primeiros sinais de fraqueza diante
dos embates duros dos tempos extremamente duros que sucederam 64, quando o
comodismo aconselhava a calar e o dever de lutar impunha que se falasse.
Em derradeiro, antes da palavra final de
agradecimento, quero deixar nesta Casa, exatamente agora - quando estou fazendo
um pronunciamento que tem caráter político, porque sou um homem político, ainda
que não vivendo dentro de partidos -, um depoimento, uma experiência e, em
assim fazendo, como que lavar minha alma. Se, no campo da política, pratiquei
algo de útil, se, em algum momento da vida pública do meu País, tive a
consciência de estar prestando um serviço realmente importante, quero que
fiquem sabendo que este momento, em que eu próprio tive a consciência de que
estava sendo digno e superior, foi exatamente aquele em que paguei o preço mais
alto e mais amargo por ter praticado aquele que considero sendo - o juízo é meu
- o meu mais belo gesto. Sabem a que momento me refiro? Justamente àquele em
que, atendendo a um pregão, a um convite, a um apelo, como tal me chegaram os
recados do então Presidente João Baptista Figueiredo para que conversássemos a
respeito de política. A esse apelo, a esse convite atendi. Ao recebê-lo e
examiná-lo, ganhei logo consciência de que estava me expondo ao risco da
incompreensão somente em ir a Brasília. Apesar disso, pensei, pesei e decidi:
eu iria conversar com o Presidente político João Baptista Figueiredo, porque o
tema que ele propunha para centro de nossa conversa era exatamente a reabertura
democrática e a abertura democrática. Com a democracia, eu sempre tive e terei
os meus mais sagrados compromissos como homem e como político. Fui e conversei
e não foi preciso que me suplicasse o Presidente Figueiredo para que lhe desse
a mão, mas ao processo de reabertura democrática, o apoio que a meu juízo todos
deveriam dar. E só eu sei o preço que paguei por isso, a ponto de um dia me
convencer, com certa amargura, de que a política era muito ingrata, que na
política era mais fácil fazer-se proselitismo com a crítica dura, com a
calúnia, com a injúria, com o castigo, do que com gesto de amor e de
compreensão. Foi aquele, quero que saibam aqui, o meu “beau gest”, o gesto que
para mim mais me engrandece perante a minha própria consciência. Quando podia
me valer das circunstâncias para debochar diante do apelo que me foi feito, eis
que pelos governos militares fui cassado, quando se me oferecia a oportunidade
para vingar-me, para praticar a vindita, para zombar, ao invés disso, optei
pelo gesto de compreensão. Eu me decide a tentar, a meu modo, a dar um exemplo
que, a meu juízo, deveria ser seguido pelos políticos brasileiros, ou seja, em
vez de ficarmos discutindo o passado, partirmos pelos caminhos que se abriam
rumo à democracia. Fiz isso, sobretudo, movido pela lembrança de que, quando
cheguei na Assembléia, ainda sem completar 25 anos, em 1951, lá encontrei a
discussão forte e inútil dos deputados da época, girando, fundamentalmente, em
torno do que acontecera em 1937, quando começou o Estado Novo. Ganhei
consciência e tive consciência plena de que era inútil aquela discussão, que
não levava a nada, que só serviria para separar, reavivando feridas, remexendo
feridas. E, no alto desta experiência, mais do que tentar, eu cometi o gesto
que eu, repito, considero ainda hoje o mais bonito de minha vida, que foi o de
anistiar sem ter sido anistiado, que foi o de aceitar uma mão que antes me
bateu, privando-me de mandato e de direitos políticos, sem que lograsse, no
entanto, ofender a minha dignidade e sufocar os meus compromissos com a
democracia. Então, se perguntarem um dia por que conferiram este título a este
cidadão, que aqui está hoje, com emoção, mas da emoção tentando-se desviar,
digam, tranqüilamente, que concederam o título de Cidadão de Porto Alegre a um
homem que jamais cultivou o ódio, um homem que mais soube anistiar do que
condenar, que mais procurou entender do que ser juiz. Não sei se bastam esses
títulos que lhes dei, até aparentando certa vaidade, para justificar,
efetivamente, esse título que agora recebo, mercê da iniciativa do então Ver.
Rubem Thomé, aprovada pela Legislatura passada, mas, hoje me dou conta, por
esta, neste momento, ratificada. Então, Srs. Vereadores, aqui estou, neste
momento, dizendo-lhes, do fundo do meu coração, que, se fui tão longo e
versando assuntos como esses que acabo de lembrar, tudo decorre de minha
preocupação de fugir, ao menos em parte, das emoções, das alegrias imensas que
os Senhores me concederam. Contarei ao meu filho, bem maior que possuo, que um
dia isso aconteceu comigo, embora não sei por que eu, tanto quanto fiz com os
outros, meus concidadãos de Porto Alegre, privei de viver comigo aqui, nesta
Casa.
Neste instante, curvo a cabeça diante da
representação do povo de Porto Alegre e solenemente juro que ainda hei de me
empenhar ao máximo para ser digno de distinção tão grande. Muito obrigado.
(Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O SR.
PRESIDENTE:
Nada mais havendo a tratar, agradecemos a presença dos Srs. convidados e
convocamos os Srs. Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora
regimental.
Estão levantados os trabalhos.
(Levanta-se a Sessão às 18h57min.)
Sala das Sessões do Palácio Aloísio Filho, 2 de
dezembro de 1986.
* * * * *